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Entrevista com Gaiarsa

Algumas pessoas te chamam de louco pelas coisas que você diz e escreve sobre a família. O que você pensa, afinal, a respeito dessa instituição considerada intocável? 
De todos os títulos que tenho, o que mais valorizo é esse: mais de meio século como psicoterapeuta ativo, com mais de 70 mil horas de escuta e observação atenta de milhares de pessoas. Dois terços dessas horas eram falas – melhor, queixas – contra a família, brigas entre pais e filhos, mães e filhos, marido e mulher, parentes e parentes… Sempre em tudo, a família como centro e a origem de sofrimentos sem conta, de mal-entendidos sem fim e sempre tida como perfeita.

Mas por que existe tanta reação às suas idéias?
As pessoas dizem que se a família desaparecer, desaparecerá a sociedade. Mas esquecem todos: desaparecerá, sim, a sociedade que conhecemos, eivada de guerras, miséria, desumanidades, injustiças… Será tanta perda assim? Ou será uma renovação radical e salvadora desde que a velha civilização – baseada na família e no autoritarismo – está beirando perigosamente a destruição da espécie , e quiçá levando de lambuja o planeta todo conosco? A esse fim chegamos, essencialmente formados e educados em família e pela família. Não é para começar a desconfiar de que alguma coisa está errada com a bendita?

Em todos os seus livros você dá ênfase à atuação das mães e à responsabilidade delas na neurose coletiva da nossa sociedade. Recentemente você criou o partido das mães. Do que se trata?
Durante muito tempo eu concordei com todos os psicólogos, dizendo que o problema da criança era a mãe, até que percebi que não são as mães individuais que estão erradas. É o modelo de mãe que está errado. Todas as doutrinas psicoterápicas afirmam que a neurose começa antes dos cinco anos, no lar, quase sempre por influência materna.

Bom, e qual é a influência das mães ?
Elas são o DNA da transmissão social. A função delas é pôr na cabeça das crianças todo o lixo da civilização, que nós criticamos de todos os lados, mas continuamos transmitindo. Então se não houver uma nova mãe não haverá um novo homem. Daí foi só dar um pulinho a mais e dizer: “As mães são o maior partido conservador do mundo!!!”

Como é possível mudar isso?
Onde é que se aprende a ser pai e mãe? Até para ser engraxate se faz curso, agora, para ser pai e mãe, não… Eu gostaria de acentuar a questão dos cinco primeiros anos, que eu reuni uns poucos dados de fisiologia muito interessantes. Aos três anos você já desenvolveu 90% do seu cérebro em peso. A circulação cerebral da criança é de três a quatro vezes mais intensa que a do adulto. No adulto o cérebro pesa 2% do corpo, na criança o cérebro pesa 20%, a criança é só cérebro, vamos dizer assim. Outro dado, todo bicho pequeno tem que aprender depressa senão ele é comido. Essa tese é biológica, 3/4 das presas do mundo são filhotes ou ovos, então, se o filhote não acorda depressa ele é comido.
Por isso é que a gente se surpreende sempre com a rapidez que as crianças aprendem…
A natureza deu para os filhotes uma fantástica capacidade de aprender muito e depressa. Uma criança aprende num dia o que um jovem aprende num semestre e um velho aprende em um ano. A mãe DNA da tradição social, com todos os venenos da nossa sociedade, passa tudo para a criança. E outra coisa: em família está autorizada a agressão, em família você trata as pessoas de um jeito que você não trata mais ninguém, …mas em família pode…
Existem mães que espancam a criança acreditando ter esse direito…
Também o marido agride a mulher. Três milhões e quatrocentos mil casais americanos têm espancamento em família, eu ouvi por acaso este número e guardei, 3.400.000 !!!

O que você acha do casamento?
O casamento foi feito para impedir o desenvolvimento das pessoas. Criança desenvolve, adolescente desenvolve, e depois você fica maduro e aí não muda mais… Pais e mães não podem se desenvolver muito, sair de casa, procurar cursos, não podem. Em todas as civilizações conhecidas o adulto é tido como o ideal da educação, a criança tem que se tornar igual ao adulto, e aí ela está educada… Isso é um horror!!! Casamento não foi feito para amor nem pra felicidade, mas para garantir o patrimônio e a continuidade do patriarcalismo, porque criança não tem direito nenhum.

Mas o casamento vai continuar existindo?
A menos que ele se renove a cada novo amante. Esta é uma das alternativas que eu acho simpática.

Qual seria um jeito do casamento ser uma coisa prazerosa para as duas pessoas?
Eu só achei duas soluções até hoje. Uma, na minha vida. Casei cinco vezes e diria que um casamento que dura de quatro a sete anos pode ser interessante, dependendo da pessoa, circunstâncias e tudo mais. A segunda: hoje o que eu consideraria ideal, eu diria que é poder ter duas, três, quatro mulheres, amigas, eventualmente coloridas, e elas também terem dois, três, quatro homens. Eu acho que era a solução. Mesmo os bons amigos você não tem vontade de ver sempre. Há certos dias em que você diz: “Ih! Se ele vier aqui hoje vai ser um saco”. E quando se está casado é a mesma coisa.

Em que medida o sistema patriarcal prejudicou homens e mulheres?
A espécie humana é a única na qual os homens usurparam o poder. Em todas as espécies animais, é claro que a fêmea é o centro, não tem o que discutir. Acho que se o homem se pusesse a serviço da mulher e da criança, isto é que seria o certo, mas ele quer ser o bacana. Muito da nossa desgraça vem daí…

De que forma?
A doçura, a maciez, a ternura, sabe… O homem quando se machucava não podia choramingar, e à mulher que estava com as crianças e com os velhos na colheita era facilitado o intercâmbio afetivo e sensual com a criança. Depois ela começou a usar isso pra envolver o homem numa boa, mas desde lá o que se valoriza nele é a dureza, a impassibilidade e a crueldade.

Explique mais isso de “mãe não tem xoxota”?
Eu quero dizer que o garoto não sabe para que serve o pinto, simplesmente, e ele vive eternamente envergonhado de ter um pinto porque não pode brincar com o pinto diante da mamãe… Ter pinto é uma vergonha, é um pecado original. E em segundo lugar, ainda hoje a imensa maioria das mães se perturba se a criança mexe com o pintinho ou vem com uma pergunta. Umas mães mais, outras menos… Isso vira quase um autismo: sexo é para mim e comigo.

Como essa repressão afeta os jovens?
São dezenas, centenas de experiências maiores ou menores, algumas muito dramáticas. E a criança vai absorvendo isso. Aí acontece o drama: a maioria dos adolescentes se inicia no sexo meio na esquina, meio escondidinho, meio apertadinho, e nunca mais sai desse apertadinho até o fim da vida.

Você considera estereotipado o sexo que se pratica hoje?
Extremamente estereotipado. Qual é o resultado disso? 70% dos americanos ejaculam dois minutos ou menos depois da penetração. E segundo os especialistas, nós os ocidentais, temos todos ejaculação precoce. O Tantra, que é primoroso a esse respeito, mostra o que o ocidental perde de prazer! E sempre servindo ao patriarcalismo, porque o nosso prazer é tão precário que você não vai brigar demais por ele. Você perde a noção do que é prazer e felicidade. Se você tem prazer e conhece a felicidade você tem tesão geral. Se você vai matando este tesão primário da vida, você se torna parte de um rebanho, vai brigar para quê?

As pessoas poderiam viver um sexo muito melhor?
Claro. Tudo indica que o que se vive é um sexo de baixíssima qualidade em relação ao sexo altamente cultivado e desenvolvido, refletido, meditado, e até consagrado pelas civilizações do matriarcado. De certa forma o Tantra tem altos níveis de espiritualidade no sexo.

Em um dos seus livros você fala que os orgasmos são qualitativamente diferentes, que não existem dois orgasmos iguais. O que marca a diferença?
O orgasmo é tanto melhor quanto mais amplo for o contexto pessoal e tátil. A carícia é uma coisa basicamente esquecida pelas pessoas. O que existe de carícia no mundo é muito pouco e estereotipado e, no entanto, nosso corpo é o maior playground do universo. Nossa pele tem mais de 600 mil pontos sensíveis, nós somos uma criação contínua do movimento, somos movidos por trezentos mil neurônios motores medulares. Somos criação contínua neurológicamente e se você combinar nossa capacidade de movimento com a nossa sensibilidade de pele, você pode ficar a eternidade acariciando alguém sem repetir nunca a mesma sensação.

O que você acha da masturbação?
Eu acho que a masturbação é o modo de satisfação sexual mais freqüente de todos. Juntando a sensibilidade dos genitais com a habilidade infinita das mãos, você tem um tantra masturbatório, você pode ficar se agradando horas sem repetir as sensações.

Por que tem gente que tem mais prazer na masturbação?
Por que a pessoa tem o controle do prazer e sabe onde vai, onde vem, como acontece, como pára, como avança. Com o outro precisaria de uma intimidade de altíssimo nível pra você chegar a alguma coisa parecida. Embora eu não confronte as duas coisas, não há o que comparar entre um momento masturbatório e um momento de relação sexual, são dois universos pra mim.

Você acha que a energia orgástica vai fluir pelo corpo, mesmo se o orgasmo vier através da masturbação?
Vai, mas eu quero introduzir o corpo inteiro na masturbação, não só mão e genitais. Tanto numa relação masturbatória quanto na relação com o outro, é essencial a variação do gesto, porque é a variação do gesto que cria a variação do afeto. Sem o gesto adequado você não passa o sentimento adequado. Acho muito profunda essa tese, que é uma alta elaboração de Reich. Os movimentos tem que acompanhar as sensações… e abrem canais para a comunicação emocional que também não tem limite. Eu posso ter sensações e emoções a minha vida inteira criativamente, nunca repetindo. Iluminação amorosa, eu acho que seria isso, felicidade amorosa.

O prazer parece ameaçar o trabalho. A repressão sexual não estaria a serviço de um sistema econômico?
Você sabe a história do sexo e do prazer? Implantaram num ratinho uma agulha no centro do prazer, e puseram ele numa jaula, onde apertando um botão ele se excitava. Ele não saiu mais do botão, se excitou duas mil vezes em uma hora. Podiam deixá-lo com fome e colocá-lo numa jaula com comida e o botão, que ele ia direto no botão. É um dos achados que o Arthur Clark disse que era mais importante que a bomba atômica, a descoberta dos centros de prazer. Hoje em dia é uma coisa aceita, já foi comprovada, todos os animais superiores têm, nós temos.
Então deveríamos dedicar muito mais tempo para o prazer…
Nós só chegaremos aí no dia em que confiarmos todos os trabalhos automáticos e mecânicos para as máquinas. Alcançaríamos o paraíso na Terra (risos). Todas as atividades repetitivas a máquina faz melhor do que nós, todo o tédio passaria para as máquinas. Eu acho que o prazer máximo é criação contínua, pode ser erótico, pode ser amistoso, pode ser intelectual, pode ser alimentar.

Por que a maioria dos homens ainda tenta corresponder ao ideal masculino de força, sucesso, poder, que é inatingível e causa sofrimento?
É a mesma história do casamento, se o homem pensasse bem nas desvantagens do machismo ele desistia de ser macho.

Você concorda que o homem tem que romper com a mãe muito cedo para não ser chamado de maricas ou filhinho da mamãe?
Na verdade, em todas as sociedades patriarcais existe o momento da ruptura da ligação com a mãe, que é o ritual de iniciação. “Agora, esqueça da mamãe, venha para o bando dos homens”. “Homem precisa de coragem, de crueldade, esquece a mulher-mãe”. Mas olha, eu queria sublinhar que é muito mais necessidade de contato do que de sexo, porque enquanto você é pequenino a mamãe quase sempre brinca um pouco com o neném. Segundo Freud o período de latência é dos 5 aos 10 anos e é aí que você começa a afastar a criança: “Cuidado, não mexe muito na menina, ela já tem 5 anos”, “Olha o menino….”, e eles começam a ficar sem graça, perdem o jeito.

O que você acha da teoria psicanalítica do Complexo de Édipo, em que o menino, entre os três e os cinco anos, deseja sexualmente a mãe?
Eu acho que o desejo não é transar com a mãe, é estar no colo da mamãe, acolhido em coisa viva, quente, morna, gostosa. Mas isso não pode, ai dele se romper a aliança com o bando masculino. Mal pode fraquejar, mal pode amar a mulher, pode transar mas não pode amar, é bem assim, nada de envolvimento. Sabe por quê? Nada dissolve mais a couraça do que carícias bem feitas.

 

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